sexta-feira, 30 de março de 2012

Jarro - Hansi Staël - SECLA

Jarro da autoria de Hansi Staël (1913-1961) produzido pelo Estúdio SECLA, por si fundado no início da década de 50.
Depois de chegada a Portugal em 1946, vinda de Estoclomo, onde havia permanecido durante a Guerra, Staël desenvolve várias disciplinas artísticas, chegando à cerâmica através de experiências efectuadas no atelier de João Fragoso (1913-2000).  A artista húngara terá demonstrado um interesse especial pela produção cerâmica das Caldas da Rainha provavelmente através de Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990), entretanto tornado sócio maioritário da SECLA, com quem contactara no Estúdio-Escola de Cerâmica, fundado em Lisboa por Fragoso.
Imediatamente após a sua contratação pela SECLA para chefiar a secção de pintura, Hansi Staël inicia um processo de transformação profunda na linhas de produção da fábrica.
A atribuição de maior valor à exploração plástica das superfícies enfatizando a pintura, acabará por deixar de lado as formas tradicionais da cerâmica das Caldas, cuja gramática decorativa tinha por base o relevo.

Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

No caso deste jarro, não só não há relevo como também não existem elementos decorativos aplicados, a inovação está na própria concepção estrutural da forma.
É uma peça rodada e modelada em pasta vermelha, esmaltada a branco e pintada a verde sobre o vidrado, com apontamentos  rosa e amarelo, sobre os quais se intersectam segmentos de recta esgrafitados, criando signos lineares semelhantes a asteriscos.
Mede 17 x 20 x 12 cm, incluindo a asa que é composta  por duas fitas entrançadas.


Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, detalhe, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro c. 1950, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, detalhe da asa, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, detalhe da base, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, detalhe, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, detalhe da base, SECLA. © CMP

Hansi Staël - jarro, marca de fabrico, SECLA. © CMP

A base está marcada com o punção "SECLA" e o número "2", "Portugal" aparece escrito à mão. A mesma marcação é usada em peças com características e formatos completamente diferentes, levando-nos a concluir que nada tem a ver com o modelo ou decoração.
O formato é equivalente ao do jarro reproduzido na página 49 do catálogo Estúdio SECLA - Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, edição do Museu Nacional do Azulejo, 1999. Esta peça, atribuída a Hansi Staël, deverá ter sido o protótipo, uma vez que está  marcada com a palavra "MODELO" no interior da boca.


Hansi Staël - Modelo, SECLA. Publicada no catálogo Estúdio SECLA - Uma Renovação na Cerâmica Portuguesa, edição do Museu Nacional do Azulejo, 1999.

Embora no referido catálogo a datação proposta seja de c.1955, é provável que a concepção da peça seja anterior, já que na imagem abaixo reproduzida, de 1950, se pode ver um jarro em tudo semelhante, ainda que com uma asa simples.

As peças produzidas no Estúdio eram mostradas a par com outras da produção corrente, mais tradicionais, de modo a promover a imagem inovadora da fábrica e simultaneamente educar o gosto dos consumidores contribuindo para a sua renovação, como explica Alberto Pinto Ribeiro (1921-1989) em A Nova Cerâmica da Caldas (1989):
 "O aparecimento das novas Cerâmicas na SECLA não foi fácil de ser aceite pelo público menos ligado a novas e estranhas formas. A aceitação só foi conseguida gradualmente pela exposição em feiras, ao misturar a produção de peças de uso doméstico com a produção contemporânea criada por um grupo de artistas.
Não era uma imposição propositada, mas para lhe ir introduzindo as novas formas artísticas, que começaram a ser conhecidas."
A SECLA participou, durante dois anos, na Feira de Artesanato de Munique, pondo em prática a referida estratégia. No segundo ano, 1950, a unidade fabril viu algumas das suas peças seleccionadas pelo júri da feira, de entre os cinquenta e seis países representados.
A imagem mostra o espaço da SECLA no pavilhão português, durante uma visita do ministro alemão da Economia e futuro Chanceler, Ludwig Erhard (1897-1977), um dos grandes responsáveis pela recuperação económica da Alemanha no pós Guerra.
Enquanto ministro da Economia, Erhard fomentou o ensino das técnicas artesanais aplicadas a uma concepção moderna, através da criação de novas escolas de artes aplicadas, que muito contribuíram para o sucesso do prolífico design cerâmico alemão nas décadas subsequentes, renovando a indústria e dando emprego a milhares de operários especializados.


Espaço da SECLA na Feira de Artesanato de Munique, 1950. Imagem publicada em A Nova Cerâmica da Caldas (1989) da autoria de Alberto Pinto Ribeiro.

Como pode depreender-se das imagens, foram executadas variações da mesma forma, com decorações diferentes ou semelhantes.


Hansi Staël - covilhete com asa, c. 1950, SECLA. MdS Leilões

Estas peças de Hansi Staël demonstrem uma plasticidade dinâmica conferida por uma aparência de espontaneidade típica da produção de cariz popular. Ainda que esta aparência resulte da apropriação e tratamento consciente de algumas das características da tradição barrista portuguesa, de modo a incorporá-las na concepção de peças perfeitamente enquadradas no contexto internacional.
Vários ceramistas demonstraram internacionalmente preocupações semelhantes, nomeadamente na produção do Sul de França, da zona de Vallauris, onde, após a Segunda Guerra Mundial, se instalou um conjunto de artistas vindos das escolas de artes e arquitectura Parisienses, que, absorvendo as técnicas da produção local, a renovaram de forma profunda e duradoura.
Uma das figuras mais visíveis deste retorno às técnicas artesanais foi Pablo Picasso (1881-1973), cujo o trabalho desenvolvido na oficina Madoura, entre 1947 e 1971, estabeleceu novos parâmetros de exigência, tanto na produção local como internacional.


Cerâmicas de Picasso na oficina Madoura, Vallauris, c.1955.

Robert Picault (1919-2000), um dos elementos fundamentais da geração responsável por esta renovação, fez a sua formação em artes aplicadas em Paris, dedicando-se ao ensino do desenho no período imediato ao fim da Guerra.
Em 1945, juntamente com os colegas de trabalho Jean Derval (1925-2010) e Roger Capron (1922-2006), decide fundar um atelier de cerâmica. Picault mudou-se para a Riviera Francesa, instalando-se em Golfe Juan, onde ao mesmo tempo que ensinava, foi aprendendo a arte da cerâmica.
Capron juntou-se-lhe em 1946 e abriram o primeiro atelier, o famoso Callis. Picault desempenhava as funções de modelador, Capron de pintor, enquanto Derval tratava da expansão dos negócios em Paris.
Nesse mesmo ano, as oficinas Madoura e Callis juntamente com André Baud (1903-1986), organizam a primeira exposição de ceramistas de Vallauris, marcando o início de uma nova era para a região e para a cerâmica francesa.
Esta nova vaga de artistas aplica os grandes princípios do modernismo, fundindo formas expressionistas com uma sensibilidade mediterrânica. Duas tendências genéricas acabam por estabelecer-se, o interesse pelos temas animalistas e figuração humana e o interesse pelas decorações geométricas.


Robert Picault - Jarros, c.1950-60, Vallauris. Piasa

Robert Picault, integra a segunda opção, dedicando-se a explorar elementos decorativos geométricos de carácter abstracto. Estabeleceu-se individualmente, em 1948, logo desenvolvendo uma gramática decorativa particular, habitualmente aplicada em peças utilitárias.
Dominada por quadrados, círculos e triângulos, pintados à mão em tonalidades de castanho rosado, verde e azul sobre vidrado branco, esta gramática decorativa é pontuada por signos lineares esgrafitados, criando padrões complexos de execução livre.
A decoração do jarro de Staël aproxima-se do trabalho de Picault, não tanto pela forma, mas sobretudo pelo tratamento plástico da superfície, quer no cromatismo, quer no uso do esgrafito.
A produção de Picault alcançou imenso sucesso durante a década de 50, em 1955 a sua oficina já empregava 25 trabalhadores, dedicando-se também à produção de peças de estúdio de maior escala e  sendo vendida nos grandes armazéns internacionais.


Robert Picault - Jarro com asa dupla, 32 x 18 x 11 cm, c.1950-60, Vallauris. CornerShopDesign

Robert Picault - Jarro com asa dupla, 32 x 18 x 11 cm, c.1950-60, Vallauris. CornerShopDesign

Robert Picault - Jarro com asa dupla, marca de fabrico. CornerShopDesign


Robert Picault - Jarro, 29 x 10 cm, c.1950-60, Vallauris. CornerShopDesign

Robert Picault - Jarro, 29 x 10 cm, c.1950-60, Vallauris. CornerShopDesign

Robert Picault - Jarro, marca de fabrico. CornerShopDesign


Robert Picault - Prato compartimentado nº5, 22,5 x 21 cm, Vallauris, c.1970. eBay






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