segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Vestíbulo de edifício na Av. EUA, Lisboa - Cecília de Sousa

Os novos bairros orientais de Lisboa desenvolveram-se ao longo dos Anos 40, segundo  planos  do arquitecto e urbanista João Guilherme Faria da Costa (1906-1971), seguindo-se-lhes o conjunto da Av. dos Estados Unidos da América, situado a noroeste dos anteriores, parte integrante de uma concepção abrangente, prevendo cerca cinco mil habitantes. 
O projecto entrava em ruptura com o princípio tradicional de rua-corredor, ainda em vigor na Av. de Roma, propondo a implantação de edifícios assentes sobre pilotis, de maior escala, perpendiculares à via de circulação.
A urbanização desta artéria é composta por várias fases de construção, sendo os conjuntos habitacionais da responsabilidade de diferentes equipas de arquitectos. 


Av. dos EUA, 1958. O referido edifício pode ver-se do lado esquerdo. AML


Nestas edificações, a colaboração de artistas plásticos e a incorporação de intervenções artísticas, sobretudo na fase inicial, até finais da década de 50, deve-se tanto a imposições legislativas, como à genuína vontade de desenvolvimento de um trabalho integrado por parte de arquitectos e artistas, na concretização dos princípios fundamentais do modernismo.
Num dos edifícios do lado Oeste, projecto de 1957 da autoria do arquitecto Licínio Cruz (1914-?),  a ceramista Cecília de Sousa (n.1937) é convidada a colaborar na concepção do vestíbulo, elaborando um conjunto azulejar composto por  vários planos, capaz de materializar a relação entre interior/exterior. 



Edifício na Av. dos EUA, arquitecto Lucínio Cruz, 1957. © CMP


Instalado numa antecâmara totalmente envidraçada, o painel, articulado em três paredes, contribui para definir um espaço de transição, funcionando em diálogo permanente com o exterior.


Vista exterior do vestíbulo. © CMP


Cecília de Sousa concluiu o Curso de Cerâmica da Escola de Artes Decorativas António Arroio em 1955, tendo sido, nesse mesmo ano, convidada a integrar a equipa da Fábrica Viúva Lamego como pintora de loiça.
O seu espírito de iniciativa e qualidades criativas garantiram-lhe o privilégio de desenvolver experiências como autora nas instalações da fábrica, acabando por contribuir para a actualização do catálogo de produtos da empresa, em especial as encomendas de gosto moderno. 
Mestre Leite da Silva, um dos proprietários da Viúva Lamego, havia iniciado a atribuição de  oficinas individuais a artistas com o convite feito a Jorge Barradas (1894-1971), cerca de 1945, sendo esta prática continuada  com ceramistas das gerações seguintes, como Manuel Cargaleiro (n.1927) ou Querubim Lapa (n.1925), promovendo a consolidação da cerâmica de autor de linguagem moderna, na segunda metade do século XX. 
Na senda dos seus predecessores, em 1957, Cecília de Sousa acede a espaço oficinal próprio, um casulo, como se chamavam estas oficinas individuais, que ficara vago com a ida do seu  mestre, Manuel Cargaleiro,  para Paris.   
Nesse mesmo ano, a ceramista expõe  individualmente pela primeira vez, na Rampa. Espaço singular, a Rampa propôs uma renovação no contexto do modernismo em Portugal,  seguindo a tradição do arts & crafts, dedicava-se a comercializar objectos utilitários de autor com qualidades e acabamentos de produção manual. 
A mítica loja, projectada em 1956 por Conceição Silva (1922-1982) com a colaboração de José Santa Rita (1929-2001), rapidamente  adquiriu o estatuto de referência no panorama das artes decorativas em Portugal.  



Inauguração da primeira exposição de Cecília de Sousa na Rampa, 1957. Imagem publicada no catálogo A minha segunda casa... Cecília de Sousa, obra cerâmica 1954-2004, edição do Museu Nacional do Azulejo, 2004.


Cecília de Sousa inicia então uma profícua colaboração com o arquitecto  Conceição Silva, no desenvolvimento de inúmeros revestimentos e guarnições cerâmicas, trabalhando ainda noutros tantos projectos com os arquitectos Lucínio Cruz, Andrade Barreto e Oskar Pinto Lobo (1913-1995) e com os designers José Espinho e Carlos Ribeiro.
Na sua primeira experiência arquitectónica, o vestíbulo na Av. EUA, a ceramista concebe um painel articulado em três secções, enquadrando a porta do ascensor.
  

Vista geral. © CMP


 © CMP

Nesta obra inicial, de maior escala, Cecília de Sousa resolve de forma eficiente os problemas de escala dos elementos pictóricos e de adequação das tonalidades cromáticas, que, a partir de uma gradação de cinzas, vão adquirindo a textura pétrea do restante revestimento, fundindo-se numa atmosfera una.


Plano lateral, pode ver-se a aproximação do painel ao restante revestimento. © CMP


Neste painel, a autora utiliza uma técnica já anteriormente ensaiada em peças de pequena escala, onde várias velaturas sobrepostas são obtidas através de sucessivas cozeduras e raspagens do vidro. 
Este é o processo tradicional para retoque de peças de faiança, em que uma fina camada de cola é aplicada para facilitar a aplicação da seguinte camada de tinta. 
A ceramista transforma assim um processo que anteriormente servia para corrigir erros técnicos, num recurso meramente plástico, aumentando a noção de profundidade das texturas e os valores tácteis da superfície pictórica.


Detalhe da superfície. © CMP


© CMP


Detalhe do plano frontal, pode ver-se a articulação entre os elementos pictóricos a o painel metálico do elevador. © CMP


Assinatura com data de 1959. © CMP


Ainda de referir, neste mesmo vestíbulo, o puxador da porta que dá para o exterior, constituído por uma placa cerâmica, com cores quentes em vidrados de altas temperaturas.




© CMP




Detalhe do puxador da porta da rua. © CMP





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